sábado, 9 de junho de 2012

A última esperança

   A lua estava cheia no céu, com um ar soberano, de pura superioridade. Uma noite bela, de inspiração para os mais românticos, triste para os que não são correspondidos por seus amores. Roberto é um desses homens desafortunados. Apaixonado por uma mulher, uma linda morena de olhos castanhos, que lhe ignora, finge não perceber sua sofrida existência. Roberto é capaz de loucuras para ter o coração da dama, atos insanos, impensados. Tentou de tudo. Deu flores, fez dezenas de convites para um passeio, passou até vergonha em frente a uma multidão, declarando-se, cantando canções recheadas de juras de amor, que de nada lhe serviram para conquistá-la. Virou motivo de piada na cidade, mas mesmo assim, ainda não desistiu. Tem esperança, confia em uma última tentativa, que poderá lhe custar caro. Não se importa com os riscos, só quer ter ao seu lado, a pessoa que acredita ser o grande amor de sua vida.

   Saiu de casa no meio da madrugada. O que planeja fazer, tem de ser feito as escondidas, sem olhares curiosos ao redor. Algo extremamente sigiloso. Aprendeu com as lendas de Monte Santo, passadas de geração em geração, sempre revividas, incrementadas, ainda mais misteriosas a cada versão. Histórias para ajudar crianças inquietas a dormir, ou talvez para lhes tirar o sono. Mexer com o imaginário das pessoas, fazê-las divagar por universos carregados de misticidade. Em alguns casos, tornarem-se reais para certos indíviduos desesperados, assim como Roberto, que desprovido de opções, escolheu agarrar-se ao considerado improvável. A sua última esperança, de fato.

  Parou em uma encruzilhada de terra batida, onde depositou ao chão uma pequena urna, que continha um pássaro morto. Uma oferenda para a entidade que planejava chamar. Olhou para o céu com uma angústia predatória e berrou com todos os seus pulmões, chamando por um nome em particular, antigo, conhecido por muitos em todo o mundo, nas mais diversas nomenclaturas. Esperou, sentindo-se um verdadeiro idiota por ter acreditar em simples lendas, provavelmente criadas por algum desocupado com a mente muito criativa. Foi então, que um cheio de podridão se fez sentir, seguido de um vento gélido, cortante como navalha. No horizonte surgiu uma sombra, que logo tomou a forma de um homem, vestido em um elegante terno preto, de muita fineza, daquele que só vemos no corpo de um magnata dos mais milionários. O sangue de Robertou congelou. Era verdade. O capiroto estava diante de seus olhos. Havia respondido ao seu chamado. Hora de arcar com as consequências.

   O homem trajado no belo terno se aproximou de Roberto, com um sorriso largo nos lábios, recheado de digamos, boas intenções, mesmo que essa não seja a melhor definição para esse caso. Estendeu sua mão, cumprimentando-o gentilmente, como um verdadeiro cavalheiro. Em seguida, disse, com uma voz simpática, dessas que só os radialistas sabem fazer:
- Do que você precisa, senhor? Posso te dar tudo o que você quiser. Tenho o poder de fazê-lo rico, dar-lhe um charme irresistível, que lhe dará plenas condições de ter todas as mulheres que desejar. O que você quiser.
- Quero o coração de Maria Lucia. É só isso que me importa - Disse Roberto, um tanto amedrontado por estar diante do ser das trevas.
- Que coisa linda. - Disse o homem, com uma expressão enojada em sua face.- Vocês mortais são uns imbecis. Perdendo tempo com uma mulher qualquer, quando existe a possibilidade de ter todas as que desejar aos seus pés! Posso lhe transformar no mais novo Don Juan, com apenas um estalar de dedos. 
- Isso não me interessa. Quero ter apenas Maria Lucia. E não a quero como um fantoche, apenas para satisfazer os meus desejos carnais. Com ela, penso em amor de verdade, romance. Eu a amo. - Disse Roberto, com toda a sinceridade do mundo.
- Ama uma pessoa que pouco se importa com você. É mesmo um grande idiota. Sentimentos não irão mudar nada em sua vida. Escute o que tenho para lhe dizer. Emoções são destrutivas, levam a um caminho sem volta. Amores são capazes de mutilar almas, despedaçar corações em um prazo curtíssimo. Servem para lhe fazer sofrer, essa é a verdade. - Disse o homem de terno, imensamente irritado pelo afeto exacerbado de Roberto por Maria. - Mulheres servem para dar prazer e nada mais. Coloque isso na sua cabeça
- Como você é mesquinho. Não é à toa que é tão mal visto por todos. - Disse Roberto, indignado com a falta de sensibilidade do capiroto. - Você não me entende, pelo simples fato de que não tem a capacidade de amar. Não sei como pode existir dessa forma. Que eternidade vazia a sua. Respira apenas para desgraçar com os outros. Depois o idiota sou eu. E realmente sou, por ter entregue o meu problema nas mãos de um inútil como você. Tenho uma idéia melhor. Irei hoje à casa de Maria, e lhe direi tudo o que sinto, pela centésima vez. Creio que não irá dar em nada, mas pelo menos é uma forma de persistir. Quem sabe, um dia a terei ao meu lado, da forma que quero, tendo de sua parte um amor verdadeiro. Não quero uma relação construída em mentiras e originada de um feitiço. Até mais, coisa ruim. - Disse Roberto, virando-se e caminhando de volta para o centro de Monte Santo, sem ao menos olhar para trás.

   O homem de terno permaneceu imóvel, sem palavras. Havia sido a primeira vez que seus serviços tinham sido dispensados. Não podia acreditar em algo assim. Sempre tinha conseguido corromper o coração humano, com suas mentiras, suas promessas de felicidade, mas dessa vez tinha falhado. Um ódio incontrolável lhe tomava suas entranhas. Havia sido julgado por um mortal, uma criatura burra, frágil, que duraria na terra por alguns poucos anos, para depois morrer, tornar-se pó, desaparecer de uma vez por todas. Um dos milhões de vermes criados por Deus, apenas para vagar a esmo pela dimensão dos vivos, sem um objetivo grandioso como o seu. Enfurecido, chutou a urna com a oferenda que lhe havia sido traga e desapareceu no ar. Ainda descobriria uma forma de vencer o amor, a única coisa que conseguia lhe enfraquecer e lhe impedir de fazer o mal. 

   Enquanto pensava em uma maneira de derrotar um sentimento tão nobre, em um canto da cidade Roberto se declarava para Maria, que lhe escutava impaciente, preparada para lhe desferir uma nova negativa. Isso lhe abalararia? Claro que não. Roberto amava aquela garota mais do que tudo, e começava a perceber que ela também nutria do mesmo sentimento, mas não demonstrava por puro orgulho. Insistiria e um dia iria enfim quebrar a barreira que impedia que o esperado romance enfim começasse. Confiaria no amor, o sentimento mais puro do mundo, a salvação da humanidade, o que ainda nos faz ter aquela esperança diminuta no peito, nos momentos mais difícieis, de que dias melhores virão e o próximo amanhecer, finalmente será repleto de felicidades.
  


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