Conheceu um rapaz diferente dos outros. Esse
era o seu sonho e diga-se de passagem, o de muitas outras mulheres. Ao
contrário do cafajeste que havia lhe traído com metade das que se diziam suas “amigas”,
esse era um sujeito responsável, sério o bastante para querer um compromisso.
Se conheceram em uma balada da faculdade e o romance de uma noite germinou e
tornou-se algo especial. Gostava do jeito que Sebastião lhe tratava. Sabia ser
atencioso e lhe escutava sempre, pronto para oferecer conselhos valiosos e
cariciais em pontos estratégicos, que despertavam em Carla toda a sua malicia
sexual mais faminta. Em outras palavras era um expert na cama.
Não demoraram a marcarem um encontro em um motel
e darem inicio a fase sexualmente ativa da relação. Todos os finais de semana,
reservavam um quarto em um motel razoável do centro de Belo Horizonte e
passavam a madrugada acordados, desfrutando das habilidades sexuais de cada um,
em um jogo que se prolongava por horas a fio, sem cessar. Sebastião aprendeu a leva-la
ao delírio de milhares de formas diferentes, surpreendendo-a a cada novo
encontro. Em dado momento, Carla começou a sentir-se dependente do parceiro.
Não servia apenas o sexo de final de semana. Precisava do vigor incansável de
Sebastião, todos os dias. Era como estar viciada em uma droga pesada,
extremamente sedenta pelos prazeres de seu uso.
Nunca havia sido adepta do sexo anal. Havia
experimentado uma vez, tendo saído bem dolorida da experiência, com dificuldades
para se sentar durante quase uma semana inteira. Ao lado de Sebastião, tinha se
encorajado a tentar de novo. Não sabia explicar a gama de sensações que lhe
envolveram, após o ato com seu fantástico parceiro. Ao ser cavalgada, penetrada
impiedosamente pelo insaciável parceiro, Carla havia sentido um prazer
estonteante, impossível de ser descrito em palavras. Ao terminar, deitou-se
suada na cama e após alguns breves minutos de descanso, pediu por mais, ainda
mais fogosa do antes. Em uma única noite, transou tantas vezes que acabou
perdendo a conta.
Quando estava no trabalho, a mente viajava
para longe, voltando para o quarto de hotel no centro de Belo Horizonte, que
havia se tornado a sua segunda casa. Ansiava sempre por mais. Longe de
Sebastião, seus pensamentos vagavam pela incoerência de um desejo que nunca
morria. A rotina de seu cotidiano era tediosa, e Carla via-se contando as horas
para um novo encontro. Sentia-se como que presa em um daqueles romances
eróticos de banca de jornal, no qual esperava nunca chegar ao fim. Pena que nada
é eterno. Em certa noite enluarada, recebeu uma mensagem de texto de seu
parceiro, convidando-a para mais uma noite de sexo desenfreado, dessa vez, em
novo endereço. Se encontrariam na casa de Sebastião. Foi animada para o
destino, tentando imaginar que tipo de surpresas lhe estariam sendo reservadas.
Sebastião morava em um bairro distante do
centro, em uma região bastante inóspita, um conjunto de casas cuja maioria
estava abandonada. Era um casebre
pequeno, não muito confortável. Estava imerso em sombras quando Carla chegou.
Bateu na porta um tanto receosa, temendo ter errado de endereço. Tal temor
desapareceu assim que viu Sebastião parado junto à porta, sorrindo-lhe de
maneira maliciosa. Convidou-a para entrar, e antes que qualquer palavra pudesse
ser trocada, já lhe tirava a roupa sem cerimônia, atirando-a na cama com tanta
intensidade, que chegou a lhe machucar as costas. Tentou reagir diante da
brutalidade do parceiro, mas seus braços foram imobilizados e as pernas
abertas. Estava à mercê de Sebastião. Foi penetrada com tamanha violência, que
ao invés de sentir prazer, berrou como se estivesse sendo espancada. Ninguém
ouviu seus gritos desesperados. Estava em uma vizinhança fantasma, onde não havia uma única alma viva para lhe socorrer.
Ao término do ato, Carla escorregou
lentamente para a inconsciência. Antes da escuridão lhe envolver, ela ainda sentiu o
contato das mãos do parceiro em sua pele. Era como algo viscoso lhe tocando,
uma superfície amolecida, que a fazia pensar em esponja molhada apodrecida. Olhou para o rosto de Sebastião e o que
enxergou foi apenas um vulto verde, uma face grotesca, que dava a impressão de
estar escorrendo, como cera derretida de uma vela a arder. O parceiro tinha
olhos vermelhos cor de sangue. Acreditou estar delirando e fechou os olhos com
força, perdendo-se no negrume do desmaio que lhe acometeu em seguida.
Despertou no dia seguinte com os raios
solares incidindo diretamente em seu rosto, fazendo os seus olhos arderem
incomodamente. Estava jogada na cama como uma boneca maltrapilha, com as vestes
rasgadas e manchadas de sangue; os cabelos desgrenhados, dando a ela um aspecto de foragida do hospício.
Sua virilha doía terrivelmente, como se tivesse sido espancada com um pedaço de
pau. Lembrou-se da noite anterior, da maneira como Sebastião havia lhe
penetrado com selvageria, como se estivesse tendo relações sexuais com um
pedaço de carne qualquer. Levantou-se sofridamente, percebendo o quanto o
quarto onde estava era pequeno e escuro. Deixou o cômodo, procurando o parceiro
desesperadamente, constatando que havia sido simplesmente abandonada. Desabou
no sofá, em um choro incontido.
Ficou entregue ao seu pranto doloroso por
alguns minutos, até que percebeu uma ardência estranha em seu ventre. Era como
se algo estivesse lhe chutando de dentro do corpo, forçando passagem para
libertar-se do cárcere da carne. Olhou para sua barriga e assustou-se ao vê-la
grande e redonda, como a de uma gestante de pelo menos quatro meses. Correu até
o banheiro, olhando-se no espelho com assombro. Como algo assim poderia ter acontecido?
Estava grávida? Nunca havia ouvido falar sobre um feto que se desenvolvesse com
tanta velocidade. Enquanto pensamentos desordenados passavam por sua mente
aterrorizada, uma pancada acometeu seu ventre com violência, fazendo-a trincar
os dentes e soltar um grito atormentado. Algo estava tremendamente errado.
A dor era tanta, que seu corpo desabou ao
chão fragilizado, adotando uma posição fetal, como se assim o sofrimento
pudesse ser controlado e amenizado. Berrou com todas as forças, clamando por
uma ajuda que nunca viria. Sangue escorreu de sua vagina, ensopando o assoalho
gasto do banheiro. A pele por sobre o ventre repuxou-se, como se algo estivesse
tentando rompê-la. Uma dor lacerante acometeu-lhe o útero, privando-lhe de forças
para gritar. Desmaiou, deixando-se envolver pela escuridão.
Acordou no sofá da sala. A noite já seguia
alta do lado de fora da casa. Sentou-se desnorteada, alisando distraidamente a
barriga. Parecia ter crescido um pouco mais, apresentando-se estufada, como a
de alguém que acaba de empanturrar-se com comida pesada. Passou os dedos pelos
lábios e notou sangue seco. Levantou-se com dificuldade, caminhando como uma
quase inválida até o banheiro, sentindo pontadas violentas acometerem o seu
ventre. No caminho tropeçou em algo que estava caído no chão. Olhou para baixo e viu vísceras
espalhadas, ossos e o crânio de um gato rachado ao meio, ainda com pelo grudado
em sua superfície alva. Gritou aterrorizada e antes que pudesse fazer qualquer
coisa, desmaiou novamente, perdendo-se em um vagalhão de inconsciência.
Despertou durante a manhã no chão da sala. Onde haviam vísceras,
nada mais restava. Alguns ossos viam-se espalhados pela casa, mas o crânio do
gato havia desaparecido. Sentou-se no sofá, sendo tomada por imagens
desconexas, de um sonho distante, que talvez houvesse surgido durante seu sono
tumultuado após o desmaio. Viu-se caminhando por ruas escuras, seguindo o
rastro que vagueava pelo ar na forma de um cheiro doce, irresistível às suas narinas. Parou diante
da janela de uma casa as escuras, adentrando no recinto como um experiente
gatuno. Havia um berço no quarto iluminado por luzes coloridas, na forma de
personagens de desenhos infantis. Nele repousava um pequenino bebê. Agarrou-o
pelo pescoço, impedindo-o de gritar, e arrancou-o do aconchego da casa dos
pais, que só mais tarde foram perceber que o filho havia sido levado. Nesse
ponto, o sonho de Carla se perdia em completa negritude.
Esbugalhou os olhos, aterrorizada pela
compreensão que tarde chegava. Correu pela casa, a procura de algo que não
queria ver. Adentrou na cozinha e viu por sobre a mesa roupas pequenas,
manchadas de sangue, vestes do tamanho das usadas por bebês. Um sapatinho jazia
caído ao chão, com um pezinho cortado na altura do calcanhar preenchendo-o, uma
lembrança desagradável da noite anterior. Carla gritou ensandecida,
ajoelhando-se e vomitando um jato amarelado e fétido. Desfaleceu, mergulhando
em um sono sem sonhos.
Abriu os olhos, piscando diante dos raios
alaranjados da tarde que morria. Tentou se levantar, mas não conseguiu nem
mesmo se mexer. O ventre despontava enorme, tensionado a ponto de explodir. Uma
dor lacerante lhe envolveu de imediato, arrancando-lhe berros de verdadeiro
sofrimento. Cuspiu uma golfada de sangue, que foi se perder no metal branco da
geladeira, escorrendo até o assoalho da cozinha lentamente. Um ruído de carne
sendo subitamente rasgada irrompeu pelo cômodo, seguido de um grito estridente,
que ressoou por cada parede da vizinhança fantasma. Sua barriga abriu-se ao
meio e dela saiu uma criatura de aproximadamente sessenta centímetros de altura,
de olhos vermelho escarlate e pele esverdeada. A coisa arrastou-se por cima de
Carla, aproximando-se de seu rosto, fitando-a com curiosidade. Lambeu sua face contraída
pelas dores dos minutos finais de vida, e lhe mordeu a bochecha, arrancando um pedaço
generoso de carne. Carla não mais gritou. O banquete estava servido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário